PCC: Uma facção criminosa que tem 30 mil filiados e chega a funcionar como uma empresa

Como funciona o PCC no Brasil? Um jornalista e uma socióloga ficaram por 20 anos acompanhando o modus operandi da facção criminos

Denuncia gazetacrnews em 17 de novembro, 2019 13h11m

Como funciona o PCC no Brasil? Um jornalista e uma socióloga ficaram por 20 anos acompanhando o modus operandi da facção criminosa, e contaram toda a história em um livro.  

Em agosto de 2018, o jornalista Bruno Paes Manso e a socióloga Camila Nunes Dias lançaram A Guerra: A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil (Ed. Todavia), um mergulho na gênese e no funcionamento do grupo criminoso que domina os presídios do país – e controla muito da criminalidade do lado de fora das cadeias.

Com 29,4 mil (aproximadamente 30 mil) membros em todo o Brasil – e espalhando-se por outros países – o PCC surgiu em 1993 dentro de presídios brasileiros. Mas o grupo, cuja existência por muito tempo chegou a ser praticamente negada pelo Estado, só se tornou conhecido nacionalmente com as rebeliões em prisões dos anos 2000.

"De uma forma geral, houve uma tentativa de silenciar o debate sobre o crescimento da facção. Até antes da megarrebelião de 2001 (que envolveu 29 presídios em represália em SP pela transferência dos principais chefes do grupo), o governo negava a existência do PCC, que tinha surgido havia oito anos, em 1993. Antes dos ataques de maio de 2006 contra autoridades, o governo dizia que o PCC estava na iminência de acabar", afirma Paes Manso.

Sobre o modelo de funcionamento da organização, os autores dizem que seria equivocado buscar uma definição "única e correta". Ela tem características de irmandade, empresa e igreja, dependendo "da perspectiva adotada e do ponto a partir do qual nós olhamos".

Segundo a dupla, que esmiúça no livro fatos e dados estatísticos, o PCC não é produto do acaso ou apenas do arroubo criminal. O PCC, assim como outras facções, surgiu como efeito colateral de "décadas de políticas truculentas e equivocadas de guerra ao crime", como afirma a socióloga.

Para os filiados, o PCC ainda oferece uma série de vantagens, como advogados, transportes, cesta básica, ajuda a familiares etc. A desvantagem dos que se filiam é a perda da autonomia e a necessidade de obedecer a um comando.

Existe uma ética do crime que define o certo e o errado e em termos da qual os criminosos e outras pessoas que convivem nos espaços controlados pelo PCC são cobrados. O PCC não "criou" essa ética - chamada de "proceder" - mas, tornou homogênea a sua aplicação e sistematizou um conjunto de códigos escritos que servem de balizas para o comportamento que se espera e que também definem as punições àqueles que erram, em conformidade com a gravidade do erro. Importante destacar que essa ética é também produzida a partir de uma moralidade assentada numa visão tradicional de mundo, machista, misógina e conservadora.

Do lado econômico, conforme explicamos no livro, existe o PCC "pessoa jurídica", que atua no mercado criminal com a marca PCC e cujos ganhos são voltados para o financiamento das atividades da facção - jumbo (alimentação levada por parentes), transporte, cesta básica, financiamento de assaltos, armas, etc. Já os integrantes do grupo, que pagam mensalidades, podem ter seus ganhos pessoais e seguir trajetórias próprias, desde que não interfiram nos negócios do grupo ou dos irmãos.

Esses negócios pessoais dos membros do PCC movimentam ainda mais recursos do que o movimentado pela facção. Quanto maior a quantidade de parceiros e quanto mais ampla a rede, mais todos tendem a ganhar.

O patamar dos negócios da droga mudou quando o PCC alcançou as fronteiras e passou a atuar no atacado do tráfico. Quanto maior a quantidade dos parceiros nos Estados, maiores os lucros. Assim o PCC seguiu uma dinâmica expansionista, promovendo alianças, mas também rivalidades, conseguindo vender drogas como "pessoa física" ou "jurídica" no Brasil inteiro, transformando a cena nacional do crime.

Publicidade

O crescimento desses grupos no Brasil nos colocam novos desafios. Conforme esses grupos ficam mais ricos, novas conexões são feitas e uma estrutura financeira de doleiros e de especialistas em esquentar dinheiro se aproximam. Muitas dessas tecnologias financeiras são as mesmas usadas nos esquemas de caixa 2 que abasteceram as campanhas políticas. O Estado passa a ficar mais vulnerável.

Quando os interesses criminosos invadem as instituições, em vez de defender o contrato e os interesses coletivos, o Estado passa a agir em defesa dos interesses egoísta desses grupos. Isso é um grande risco para a nossa frágil democracia.

Só que isso não se enfrenta mediante uma guerra diária nos bairros pobres, enchendo as prisões de jovens negros, que os próprios policiais admitem não passar de enxugamento de gelo, com traumas sociais diários. É preciso entender o funcionamento dessa indústria e agir de forma estratégica.

Em primeiro lugar, está cada vez mais evidente que os lucros milionários da droga são decorrências da ilegalidade. A regulamentação da venda de drogas, como já têm percebido as lideranças dos países ricos, ajuda os lucros desse mercado, desarmando essa engrenagem de guerra e aprisionamento que apenas fortalece as gangues prisionais.

Enquanto a regulamentação não ocorrer no Brasil, resta agir para fragilizar economicamente esses grupos, identificando contas, formas de lavagens de dinheiro. Isso depende de troca de informações entre as diversas inteligências estaduais e federais, em diferentes instituições.

Quando o Estado trava uma guerra diária contra certos grupos em determinados territórios, passa a ser visto meramente como opressor e inimigo. O papel do Estado não é estimular a revolta para empurrar os jovens revoltados para o colo das facções. O Estado deve abrir portas, ajudar esses jovens a sonhar, a querer compartilhar uma vida em sociedade, respeitar e ser respeitado. Isso se faz com investimento em escolas, esporte, arte, cultura, saúde.

Dias - Inicialmente, eu penso que é necessário questionar a própria ideia de "combate" já que ela lembra a "guerra" também. "Combater" o PCC só pode ser discutido ao ver a partir de uma perspectiva de "combate" às condições que o criaram, porque do contrário, significa que o Estado quer continuar oprimindo e exterminando essa juventude negra e pobre sem que se admita uma possibilidade de reação a isso.

É necessário "combater" essa polícia que temos, com estes níveis terríveis de letalidade e de corrupção; é necessário combater as cruéis condições dos estabelecimentos de encarceramento de jovens pobres; é preciso combater a política de encarceramento de pobres e negros.

Publicidade

Comentários

Notícias relacionadas